
A disparidade no número de médicos do SUS (Sistema Único de Saúde) entre municípios do ABC escancara problema estrutural da saúde pública na região. De um lado, cidades como São Caetano registram uma razão de 10,12 médicos por mil habitantes – uma das mais altas do Estado de São Paulo. Do outro, Rio Grande da Serra, com apenas 0,66 profissionais por mil habitantes, opera abaixo da recomendação mínima da Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de um médico por mil moradores.
A diferença entre os municípios não se limita apenas à quantidade de médicos, mas também como as cidades investem na saúde pública e planejam ampliar ou qualificar suas equipes.
Levantamento da Fundação Seade mostra que São Caetano conta atualmente com 562 clínicos gerais e 183 pediatras na rede pública, mas ainda assim enfrenta gargalos em especialidades, como ortopedia, reumatologia e endocrinologia, que são áreas apontadas pela própria gestão como críticas.
Para enfrentar a demanda, São Caetano projeta investimentos de R$ 484 milhões em 2025, com parte dos recursos destinada à expansão da capacidade assistencial por meio da contratualização de serviços médicos especializados. Esse modelo permite ao município ampliar o número de consultas e exames por meio de convênios com prestadores de serviço. A administração municipal não informou quando as novas contratações devem ocorrer.
A cidade também adota políticas para atração e retenção de profissionais, com apoio da OSS Fundação do ABC, responsável por parte da gestão da rede municipal. Segundo a Prefeitura, a flexibilidade do contrato com a organização permite revisar e adequar o corpo clínico de acordo com necessidades emergentes e oscilações do mercado.
Até o fim do ano está prevista a entrega do Centro de Reabilitação e Neurodesenvolvimento em São Caetano, que contará com duas médicas fisiatras e equipe multidisciplinar voltada a pacientes com deficiências motoras e transtornos do desenvolvimento. Segundo a Prefeitura, a nova unidade deve impactar diretamente a demanda por especialistas, ao incorporar serviços hoje pulverizados em diferentes equipamentos da cidade.
Santo André
Santo André, por sua vez, apresenta um quadro mais próximo da média nacional, com 2,38 médicos do SUS por mil habitantes, conforme dados da Fundação Seade. O número está acima da recomendação mínima da OMS, mas ainda distante dos índices de cidades mais estruturadas, como São Caetano. A rede pública local conta com 555 clínicos gerais, 121 pediatras e 61 ginecologistas – especialidades básicas com cobertura relativamente ampla.
Apesar disso, o município também enfrenta desafios relacionados à oferta de especialistas. Entre os gargalos citados pela Prefeitura estão neurologia, psiquiatria e reumatologia, áreas em que há dificuldade de encontrar profissionais no mercado e onde o tempo de espera por consulta pode ser elevado.
Para driblar a questão, a gestão municipal afirma realizar contratações regulares de médicos por meio de concurso público e processos seletivos simplificados, além de ampliar a carga horária de alguns profissionais já em atuação. A administração também aposta na reorganização dos serviços e na integração com outras esferas do SUS para garantir atendimento em áreas mais críticas.
O município ainda não detalhou quantos profissionais pretende contratar em 2025, nem quanto do orçamento da saúde será destinado exclusivamente à expansão do corpo médico. No entanto, informa que o planejamento orçamentário prevê aumento nos investimentos em assistência médica, especialmente por meio da valorização das equipes da Atenção Básica e da contratação de especialistas para a rede ambulatorial.
Foco na Estratégia de Saúde da Família
Em Diadema, a taxa de médicos do SUS é de 1,89 por mil habitantes, e a prefeitura afirma que pretende ampliar o número de profissionais ainda este ano, com foco na Estratégia de Saúde da Família, um dos pilares da Atenção Básica. Entre os gargalos identificados na cidade, o principal é a escassez de neuropediatras – um desafio que, segundo a gestão municipal, se repete em diversos municípios do país.
Quem precisa utilizar o serviço confirma a defasagem na oferta de profissionais. Carla Sanches da Cruz, de 32 anos, é mãe do pequeno Matheus Sanches, de 7 anos, diagnosticado com paralisia cerebral espástica, e diz enfrentar dificuldades para manter o tratamento do filho na cidade. “Meu filho foi diagnosticado com problema neurológico há quatro anos, mas quando procuramos o SUS, não havia um profissional especializado para atendê-lo. O único disponível tinha a agenda lotada e nunca conseguíamos um encaixe. Por conta das complicações da doença, começamos a pagar um profissional particular e conseguimos, por fim, um atendimento gratuito em um hospital de São Paulo. Mas na cidade mesmo não há”, relata.
Para tentar reverter o cenário, Santo André mantém convênios com universidades, como a USCS, e está prestes a firmar parceria com a Universidade Brasil, para ter estudantes de medicina em mais de 70% das unidades de saúde.
Diadema também conta com residência médica em oftalmologia no Centro de Especialidades Quarteirão da Saúde. A rede pública local passa por expansão, com previsão de inauguração de uma nova Unidade de Pronto Atendimento (UPA) no bairro Paineiras e do novo prédio do CAPS Sul ainda em 2025.
As obras da no a UPA devem ampliar a oferta de atendimentos e, consequentemente, exigir o aumento do número de médicos. O orçamento da Secretaria Municipal de Saúde previsto para o próximo ano é de R$ 823,6 milhões – o maior entre os municípios que responderam à reportagem do RD. No entanto, a Prefeitura informa que o valor destinado à contratação de profissionais depende da entrada de recursos.
Cenário mais crítico
O cenário mais crítico, contudo, está em Rio Grande da Serra. Com apenas 16 médicos na rede pública – 14 clínicos, um pediatra e um psiquiatra -, a cidade enfrenta longas filas de espera em várias especialidades. Uma consulta com oftalmologista infantil ou para glaucoma pode demorar até dois anos. O tempo de espera para reumatologia, vascular e pneumologia chega a 18 meses.
Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, duas ginecologistas foram contratadas no início de 2025, mas não há previsão imediata de novas contratações. Quem precisa de atendimento na cidade precisa recorrer aos municípios vizinhos para consultas. “Sempre que preciso passar por ginecologista vou até Mauá ou Ribeirão Pires, porque das vezes que precisei sempre informaram que a cidade não tinha no SUS. Chega a ser uma vergonha”, reclama a dona de casa, Doralice Batista, moradora do bairro Cidade Continental.
A principal aposta está na inauguração, ainda este ano, do Centro de Especialidades Médicas (CEME), unidade em fase final de reforma que deve ampliar a oferta de serviços. Ainda assim, não há orçamento fixo destinado exclusivamente à contratação de médicos – os recursos são alocados conforme a demanda e a disponibilidade financeira.
Médicos do SUS
As demais prefeituras não responderam aos questionamentos do RD, mas segundo apuração, em Mauá, a razão de médicos do SUS é de 2,40 por mil habitantes. Apesar da oferta de 221 clínicos gerais, 86 pediatras, 11 oftalmologistas e 11 psiquiatras, a cidade conta com apenas três urologistas na rede pública.
Já em São Bernardo, a razão é de 3,64 médicos por mil habitantes entre as principais especialidades, com 567 clínicos gerais, 169 pediatras, 10 oftalmologistas, 30 psiquiatras e 8 urologistas na rede pública. E em Ribeirão Pires, a taxa é de 2,08 médicos por mil habitantes, com 26 clínicos gerais, 19 pediatras, 3 oftalmologistas e 6 psiquiatras. O levantamento não identificou urologistas em atuação pelo SUS no município.